Um estudo internacional identificou no Maranhão um novo tipo de coronavírus com semelhanças genéticas com o SARS-CoV-2, causador da covid-19, e com o MERS-CoV, responsável por um surto no Oriente Médio em 2012.
A descoberta reforça a importância do monitoramento genético de vírus em populações de morcegos na América do Sul, região ainda pouco estudada nesse campo.
A pesquisa foi conduzida por cientistas de instituições do Japão, do Brasil e de outros países. Eles analisaram amostras de tecido intestinal de diferentes espécies de morcegos encontrados em áreas rurais e de floresta do Maranhão e de São Paulo.
Durante o sequenciamento genético, os pesquisadores detectaram, em um morcego da espécie Pteronotus parnellii, capturado no município de Riachão (MA), um genoma viral com grande semelhança com coronavírus já conhecidos por sua relevância para a saúde pública mundial. O novo vírus recebeu o nome sugerido de BRZ batCoV.
O achado mais significativo foi a presença, no genoma do BRZ batCoV, de uma sequência de aminoácidos que forma o chamado sítio de clivagem da furina.
Essa estrutura é reconhecida por uma enzima humana — a furina — responsável por ativar a proteína spike do vírus. Essa proteína funciona como uma “chave” usada pelo vírus para penetrar nas células humanas, abrindo caminho para a infecção.
Esse tipo de sítio atua como uma ferramenta molecular que pode facilitar a entrada do vírus nas células. No caso do SARS-CoV-2, acredita-se que essa estrutura tenha contribuído para sua alta capacidade de transmissão entre humanos.
“Dado o papel crucial do sítio de clivagem da furina em determinar o alcance de hospedeiros, a infectividade e a capacidade de transmissão entre espécies, essa descoberta fornece informações importantes sobre o potencial evolutivo e o risco zoonótico do BRZ batCoV encontrado em morcegos”, escreveram os autores no artigo.
Os pesquisadores destacaram ainda que sítios de clivagem da furina já foram identificados em proteínas de superfície de outros vírus de RNA altamente patogênicos, como os causadores da gripe aviária e o vírus Ebola.
“Esses exemplos reforçam que a aquisição de sítios de clivagem da furina é uma adaptação evolutiva que pode surgir de forma independente em diversas famílias de vírus de RNA — frequentemente associada a um aumento do potencial de patogenicidade”, explicaram.
Apesar das semelhanças genéticas com vírus conhecidos, os cientistas ressaltam que não há evidências de que o novo vírus infecte humanos. Segundo o grupo, o achado reforça a importância da vigilância viral em animais silvestres, sobretudo em regiões tropicais pouco estudadas, como a América do Sul, que abriga grande diversidade de morcegos e ecossistemas favoráveis ao surgimento de novos vírus.
Os autores também apontam que outros sítios de clivagem da furina “podem surgir naturalmente em morcegos por meio de eventos de recombinação ou mutações de inserção, reforçando o papel desses animais como possíveis reservatórios de inovações genéticas relevantes para a emergência de doenças zoonóticas”.
Morcegos são reconhecidos como reservatórios naturais de uma ampla variedade de vírus, incluindo os coronavírus que causaram a SARS, a MERS e a covid-19.
No entanto, a maioria das pesquisas até agora tem se concentrado em populações desses animais na Ásia, África e Oriente Médio. A nova descoberta no Maranhão amplia o mapa global de vigilância e chama atenção para a necessidade de estudos contínuos na América do Sul.























