A vida sexual dos brasileiros passou por mudanças expressivas ao longo das últimas duas décadas. Um novo levantamento feito 20 anos após o primeiro mapeamento revela transformações que vão desde a idade da iniciação até a forma como os encontros íntimos acontecem.
Hoje, os jovens demoram mais para começar a vida sexual, têm menos relações ao longo da semana, mas dedicam mais tempo a cada encontro — impulsionados tanto pela valorização das preliminares quanto pelo impacto crescente da internet na intimidade.
Segundo o Estudo da Vida Sexual do Brasileiro, realizado novamente pela Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) com patrocínio da Farmoquímica, 30% dos brasileiros iniciam a vida sexual apenas depois dos 19 anos.
Em 2005, a maioria começava por volta dos 15. “É muito frequente que a iniciação seja postergada”, afirmou ao Fantástico a psiquiatra e sexóloga Carmita Abdo, coordenadora da pesquisa.
O levantamento reuniu entrevistas de 3.213 adultos — 54% mulheres e 46% homens — de todas as regiões do país, com margem de erro de dois pontos percentuais.
Apesar da queda na frequência semanal de relações, a duração média do ato aumentou de 10 para 15 minutos. Para Carmita, isso se deve principalmente ao protagonismo das preliminares. “As preliminares ganharam importância, até pela necessidade da mulher de se satisfazer”, explicou.
A pesquisa aponta também que a internet se tornou um elemento central na remodelação dos hábitos sexuais. O sexo virtual deixou de ser exceção e passou a funcionar como uma espécie de fase preparatória, em muitos casos antecedendo o contato presencial.
“Observamos muito intensamente a influência das mídias eletrônicas como principal forma de iniciação sexual, algo que não acontecia 20 anos atrás. Agora essa iniciação acontece diante da tela, com autoestímulo”, destacou Carmita.
Essa mudança, porém, tem efeitos colaterais: muitos adolescentes começam o estímulo virtual aos 11 ou 12 anos, mas aos 16, 17 ou 18 ainda não se sentem plenamente preparados para o sexo presencial, o que pode gerar insegurança e frustração.
A sexóloga Andréa Aguiar acompanha essa leitura ao afirmar que a internet “redefiniu o modo como nos relacionamos, como acessamos prazer e como percebemos o outro”.
O avanço dos aplicativos facilitou encontros, aproximou desconhecidos e distanciou o sexo dos vínculos afetivos, ampliando a busca por prazer imediato. Paralelamente, a comparação com corpos e performances do ambiente digital gera distorções de expectativa.
A pressão para corresponder ao que aparece em vídeos faz com que muitos jovens prefiram permanecer na esfera virtual, considerada “menos tensa e exigente”.
Em situações mais extremas, alguns recorrem a acompanhamento psicológico para lidar com inibição e dificuldades de interação presencial.
O estudo também mexe com a compreensão contemporânea de fidelidade. Para Carmita, o conceito de traição já não se limita ao contato físico.
Conversas eróticas, curtidas, comentários, trocas de nudes e interações sigilosas nas redes passaram a integrar o debate sobre o que ultrapassa ou não os limites de um relacionamento.
Outro ponto relevante está na identidade sexual. A nova edição do levantamento registrou aumento no número de pessoas que se declaram homossexuais, mas o dado mais significativo diz respeito à idade em que essa identificação ocorre.
Se antes os indivíduos se afirmavam sexualmente por volta dos 25 anos, hoje isso ocorre já aos 17 ou 18, reflexo de maior sensação de segurança pessoal e social.
Mesmo assim, Andréa ressalta que avanços no acesso à informação e à autonomia sexual ainda são marcados por desigualdades. Mulheres brancas, escolarizadas e urbanas conquistaram mais espaço na busca por prazer.
Em contrapartida, pessoas negras, periféricas e LGBTQIAPN+ continuam enfrentando barreiras estruturais, enquanto homens ainda lidam com a falta de abertura para discutir inseguranças.
Ao comparar os dois períodos avaliados, Carmita reconhece que o cenário é complexo. Para ela, a qualidade de vida da população brasileira não melhorou nos últimos 20 anos e, em alguns segmentos, piorou — o que impacta diretamente a vida sexual.
“Sexo está umbilicamente ligado à qualidade de vida, algo que a maior parte da população não possui”, avalia.
Ainda assim, destaca avanços: “A boa mídia eletrônica de fato educa a população sobre sexo. A informação fidedigna disponível nas diversas mídias é um excelente meio para dirimir mitos e tabus”.
Apesar disso, lembra que padrões irreais exibidos na internet podem comprometer a autoestima e a libido de jovens que se sentem aquém das idealizações.
Para Luiz Otávio Torres, presidente da SBU, os resultados apenas confirmam percepções da prática clínica. Ele reforça que a prevalência de disfunções sexuais entre homens é alta, mas poucos procuram ajuda.
Entre casais, observa ainda a falta de diálogo sobre o tema, elemento essencial para uma vida sexual saudável.























